sexta-feira, 11 de março de 2011

O Conto, alguns aspectos deste gênero literário

Autor: Carlos Higgie
O CONTO
Alguns aspectos deste gênero literário
Introdução

Muitos teóricos discutem, até hoje, quais são os limites do conto, onde ele termina e onde começa a novela ou o romance, o que o diferencia da crônica, quais os aspectos que fazem dele um conto e não outro tipo de narrativa.
Num movimento cíclico, com momentos de auge e outros de puro ostracismo, o conto tem acompanhado, desde os primórdios, o avanço da humanidade através do tempo, num meio que, na maioria das vezes, é hostil e nada propício para criar, ouvir ou ler esse tipo de narrativa.
Partindo das inscrições nas cavernas, das narrativas quase guturais ao redor das fogueiras, passando pelos relatos de antigas culturas, pelo tremendo impulso dado pelos jornais no século XIX, chegaremos aos nossos dias, mergulhando rapidamente no conto breve e até nos contos publicados na Internet que, muitas vezes, fogem dos padrões e estão criando novos formatos dentro deste tipo de narrativa. Nesse primeiro momento, faremos um rápido histórico do gênero, analisando, portanto, as principais características do enredo no conto.

01. O CONTO
1.1 Breve histórico

Um dia o homem descobriu o fogo, abrigou-se em cavernas e nas longas noites da nossa pré-história reuniu-se com seus semelhantes para aquecer-se, comer, narrar com gestos e pouquíssimas palavras aquilo que, de alguma maneira, tocava-o profundamente. Dessa maneira, oral e rudimentar, nasceu a narrativa, nasceu o conto.
Em sociedades antigas, como a desenvolvida no Antigo Egito, o conto desempenhou um papel destacado (Os contos mágicos, por volta de 4000 a.C., são para alguns teóricos os mais antigos do mundo). Passando pela cultura greco-romana, sem deixar de destacar as Mil e uma noites que aparecem na Pérsia (século X), reaparecendo no Egito (século XII) e na Europa (século XVIII), o conto vai adquirindo corpo e forma, diferenciando-se de outras expressões orais ou escritas.
Esclarece Magalhães (1972) que, na Antiguidade, o conto podia constituir uma história isolada ou estar inserido numa narrativa mais extensa.
Na Idade Média, a confusão tomou conta da narrativa: anedota, parábola, exemplos morais, fábula, novela, conto e romance se misturaram e se confundiram. No século XIV, temos um momento que deve ser destacado: o conto se afirma como uma categoria estética, depois de passar da oralidade para a escrita. Bocaccio, com os contos do Decameron (1350), rompe barreiras com seu forte erotismo e ganha tradução para várias línguas.
Chegamos, assim, ao século XIX, quando o conto começou a aparecer em jornais. Gotlib (1999, p.7-8) destaca:

Este é o momento de criação do conto moderno quando, ao lado de um Grimm que registra contos e inicia o seu estudo comparado, um Edgar Allan Poe se afirma enquanto contista e teórico do conto.
Portanto, enquanto a força do contar estórias se faz, permanecendo, necessária e vigorosa, através dos séculos, paralelamente uma outra história se monta: a que tenta explicitar a história destas estórias, problematizando a questão deste modo de narrar – um modo de narrar caracterizado, em princípio, pela própria natureza desta narrativa: a de simplesmente contar estórias.

Essa inserção de contos nos jornais e o surgimento de autores que começaram a discutir a realidade do conto modificaram e projetaram este tipo de narrativa, que ganhou nova força, adaptando-se aos novos tempos. Pressionados pelo pouco espaço disponível nos jornais, os escritores tiveram que reduzir, compactar cada vez mais os textos, sintetizando, concentrando ao máximo a história para que fosse possível publicá-la no espaço destinado para tal fim. Foram os jornais que popularizaram o conto no mundo ocidental, fazendo dele um precioso produto cultural. Naquele século, marcado pelo "apego à cultura medieval, pela pesquisa do popular e do folclórico, pela acentuada expansão da imprensa, que permite a publicação dos contos nas inúmeras revistas e jornais" (GOTLIB, 1999, p.7) é quando o gênero se desenvolve e ganha ares modernos.
O romance, a poesia e o conto disputaram, pelo menos nos últimos dois séculos, a atenção do público leitor. Em alguns momentos, o romance recebeu todas as glórias, em outros a poesia e, em outros períodos, o conto foi o preferido. Grandes autores, como Jorge Luis Borges, asseguram que o conto dominará o mundo literário por muitas décadas do século XXI. A irrupção da Internet, com todas suas virtudes e defeitos, parece acelerar esse processo. O conto, por ser breve e intenso, ocupa o maior espaço no mundo virtual, dentro dos sites destinados à literatura. Se acrescentarmos a isso os blogs, as páginas não especificamente literárias, os cyberdiários, alguns chats e fotologs, veremos que o conto está crescendo desmesuradamente, com maior força que a própria poesia que, pela sua estrutura, poderia merecer um espaço maior.

1.2 O enredo como coluna vertebral do conto

O enredo é o fio condutor de qualquer narrativa, mostrando uma seqüência de fatos, ações, elementos que vão construindo o corpo do relato. É um encadeamento de episódios, que tecem a teia daquilo que está sendo narrado.
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A palavra enredo pode assumir [...] algumas variações de sentido, mas não perde nunca o sentido essencial de arranjo de uma história: a apresentação/representação de situações, de personagens nelas envolvidos e as sucessivas transformações que vão ocorrendo entre elas, criando-se novas situações, até se chegar ao final – o desfecho do enredo. Podemos dizer que, essencialmente, o enredo contém uma história. É o corpo da narrativa (MESQUITA, 1994, p. 7)

Com essas palavras, Mesquita (1994) situa perfeitamente o enredo dentro da narrativa, destacando sua importância dentro desta.
No conto, o enredo funciona como espinha dorsal, como estrutura que sustenta e direciona. Nos contos que privilegiam o enredo, podemos distinguir claramente as partes que vão se encaixando com perfeição, até chegar ao desfecho ou desenlace. O contista irlandês Sean O'Faolin (apud Magalhães,1972, p. 18) afirma:

[...] o conto é um gênero curioso. Enredo, por si só, não faz um conto. Por outro lado, a ausência de enredo tampouco faz. Nos que são realmente bons, há um enredo interno, secreto.

William Somerset Maugham, também citado por Magalhães (1972, p. 18), considera o enredo fundamental: "é um natural desejo do leitor saber o que acontece às pessoas por quem se interessa e o enredo é um meio de satisfazer tal desejo".
Porém, nem todos os contos oferecem uma estrutura tão clara e precisa. Por isso é possível falar em enredo psicológico ou até em contos que parecem não ter um enredo lógico e coerente. Afirma Cândida Vilares Ganchos (2000, p. 12 - 13): "[...] falta-nos falar sobre a narrativa psicológica, na qual os fatos nem sempre são evidentes, porque não equivalem a ações concretas do personagem, mas a movimentos interiores; seriam fatos emocionais que comporiam o enredo psicológico." Mais adiante, conclui: "o enredo psicológico se estrutura como enredo de ação; isto equivale a dizer que tem um conflito, apresenta partes, verossimilhança e, portanto, é passível de análise."
Veremos, então, as partes que formam o enredo e servem como espinha dorsal do conto.

Apresentação (ou introdução ou exposição)
Elemento que abre o conto, introduzindo personagens, espaço, ambiente, ações iniciais, etc. Alguns contos modernos começam abruptamente, entrando diretamente no assunto, procurando surpreender o leitor, para provocar um impacto desde o primeiro momento. Na apresentação, que geralmente coincide com o início da história, aparecem pontos de referência para o leitor, situando-o, ambientando-o e, de certa maneira, indicando o caminho que será seguido.

Complicação
Pode ser definido como o momento em que surge um fato novo que muda o rumo da história, provoca uma reação do personagem ou personagens, cria um clima instável que necessariamente requer uma solução. Esse fato que muda destinos e provoca modificações no rumo da história é parte integrante da complicação. Esta parte é, também, o próprio desenvolvimento do enredo. Desenvolve-se a história, mostrando o que acontece com o personagem ou personagens, o movimento dele ou deles dentro da narrativa, procurando solucionar o desequilíbrio causado por determinada peripécia.

Clímax
Momento de maior tensão e intensidade dentro da narração. Pico máximo dos acontecimentos, facilmente identificado pelo leitor, momento de auge no qual as ações atingem sua máxima expressão. Toda a estrutura do enredo parece direcionada para este momento culminante da história.

Desenlace (ou desfecho)
Conclusão da narração. Os conflitos desenvolvidos alcançam, ou não, um estágio de solução. O desenlace pode ser feliz, trágico, engraçado, diferente, surpreendente. O desfecho nem sempre traz uma solução à questão provocada pela peripécia. Muitas vezes, o final é aberto e deixa o caminho livre para a imaginação do leitor.

2. Três faces da mesma moeda
2.1 O conto
Delimitado por alguns autores, sempre num processo claro de comparação com o romance, a nouvelle ou a crônica, o conto torna-se, em alguns momentos, difuso, indefinido, com fronteiras muito elásticas e pouco claras.
Edgar Allan Poe afirmava que o conto era um texto narrativo que poderia ser lido de uma vez só em, no máximo, uma hora. Isso é tremendamente vago. Um leitor pode, por exemplo, ler uma nouvelle, claramente diferente do conto, no mesmo lapso temporal. Além da extensão, que deve estar calçada na brevidade, Poe preconizou a procura do efeito, nascendo, assim, a unidade de efeito, que engloba a extensão e o efeito. Poe (apud GOTLIB,1999, p.34) explicita sobre o assunto:

No conto breve, o autor é capaz de realizar a plenitude de sua intenção, seja ela qual for. Durante a hora da leitura atenta, a alma do leitor está sob o controle do escritor. Não há nenhuma influência externa ou extrínseca que resulte de cansaço ou interrupção. [...] concebido , com cuidado deliberado, um certo efeito único e singular a ser elaborado, ele então inventa tais incidentes e combina tais acontecimentos de forma a melhor ajudá-lo a estabelecer este efeito preconcebido. Se sua primeira frase não tende a concretização deste efeito, então ele falhou em seu primeiro passo. Em toda a composição não deve haver nenhuma palavra escrita cuja tendência, direta ou indireta, não esteja a serviço deste desígnio preestabelecido.

Poe preconizava que o autor deveria manter o domínio total sobre os seus materiais narrativos, dominando, conseqüentemente, o leitor e provocando nele o chamado efeito único ou impressão total.
Porém, por mais que os teóricos insistam, o conto continua escorregando e fugindo das definições, dos rótulos e dos limites, das regras e preceitos inventados pelos estudiosos.
Pacheco (1993) resume, em poucas palavras, essa dificuldade para definir o conto:

Ante tal dificultad, algunos prefieren la vía indirecta pero en ocasiones mucho más certera de la comparación o la metáfora. El cuento es analogado entonces, por ejemplo, a "una flecha que, cuidadosamente apuntada, parte del arco para ir a dar directamente en el blanco" (Quiroga), o a ciertos animales como el tigre (Bosch), o el lince y el topo (Balza, a partir de Ramos Sucre), capaces de simbolizar algunos de sus rasgos medulares, o a un match boxístico ganado por knock-out (Cortázar). En uno de los varios ensayos que este último dedica al problema, se encuentra un hermoso esfuerzo poético por definir el cuento, ese "caracol del lenguaje", valiéndose de una sucesión de imágenes.

A definição de conto passa por conceitos como intensidade, tensão, equilíbrio e extensão. Nesse sentido trabalhava Cortazar (1973, p. 145):, procurando definir o conto como uma narrativa curta, tensa e intensa, afirmando que:
Lo que llamo de intensidad en un cuento consiste en la eliminación de todas las ideas o situaciones intermedias, de todos los rellenos o fases de transición que la novela permite e incluso exige.

O autor propõe uma economia drástica na elaboração de um conto que tenha intensidade, força, energia própria. Ele acrescenta a necessidade de dotar o conto de tensão, característica que definirá se o conto é bom ou não. Essa qualidade se consegue trabalhando verticalmente o texto, em profundidade no reduzido ambiente do conto, condensando tempo e espaço, expostos a uma alta pressão espiritual e formal capaz de produzir na narração a desejada tensão. Para ele (idem, p. 139) não há outro caminho para produzir um bom conto:

Un cuento es malo cuando se lo escribe sin esa tensión que debe manifestarse desde las primeras palabras o las primeras escenas. Y así podemos adelantar ya que las nociones de significación, de intensidad y de tensión han de permitirnos, como se verá, acercarnos mejor a la estructura misma del cuento.

Essa intensidade e tensão devem dar-se num pequeno ambiente, que o próprio Cortazar define como esfericidade. Para isso, ele encontra apoio no décimo preceito que Horacio Quiroga (apud CORTÁZAR, 1973, p. 105) deixou no "Decálogo do perfeito contista":

[...] Si nueve de los preceptos son considerablemente prescindibles, el último me parece de una lucidez impecable: Cuenta como si el relato no tuviera interés más que par el pequeño ambiente de tus personajes, de los que pudiste haber sido uno. No de otro modo se obtiene la vida en el cuento.

Assim, partindo do pequeno ambiente, condensando tempo e espaço, pressionando-os de tal maneira que alcancem a tensão necessária, num trabalho vertical, para cima ou para baixo, procurando a economia de elementos para obter intensidade, entrando na história para viver e dar vida ao relato, o contista consegue provocar uma abertura do local para o universal, projetando-se através do conto, que é ponte, caminho, porta, para transmitir muito mais que sensibilidade e inteligência, criando um elo indelével e poderoso com o leitor, semeando sementes que frutificarão na sensibilidade deste, que tudo observa e analisa do outro lado da ponte.
Destaca Vázquez (2004):

En Cortázar el cuento es un mecanismo a desarrollar, pero un mecanismo que se autonomiza, que adquiere entidad y absorbe. Un espacio que se abre y se cierra herméticamente a partir de unas pautas minuciosamente preconcebidas. La eficacia de esta narrativa viene dada, entre otras causas, por su capacidad de aislar lo cotidiano, creando una atmósfera en la que ingresa de inmediato el lector. La complicidad, los acuerdos tácticos con éste se dan de entrada (es por ello que en la mayoría de las ocasiones obvia la tarea descriptiva).

Geralmente o conto tem um personagem ou um personagem principal e alguns coadjuvantes, a ação acontece num espaço claramente delimitado, tudo é muito sintético, reduzido e concentrado. Mas não é a brevidade a marca principal de um conto. Ela passa por características que o definem como uma experiência singular, marcante, única. Uma experiência que envolve de tal maneira o leitor que ele pode perceber claramente a abertura do pequeno para o grande, do individual para o universal, sentindo a tensão, o perfeito equilíbrio entre as partes integrantes da narração.
Existem contos e contos. Julio Cortázar, que foi um grande contista, sabia disso. Ele afirmava que o conto excepcional não é aquele que traz algo de extraordinário ou anormal, senão aquele que consegue tornar-se inesquecível para o leitor principalmente pela sua qualidade literária.

2.2 O conto breve
O conto breve é uma variável praticada com certo esmero nos nossos dias. Não só o conto breve, senão também o micro-conto ou conto brevíssimo, concentrando num mínimo de palavras toda a tensão, intensidade e síntese possível. O exemplo do conto "Dinossauro", do guatemalteco Monterroso (apud EPPLE, 1990, p. 95), já é um clássico dentro do conto breve.
Numa só frase ("Quando acordou o dinossauro ainda estava ali") ele consegue resumir toda a história, apresentando, desenvolvendo e deixando um final aberto que realmente perturba o leitor. Até pouco tempo era considerado o menor conto do mundo, talvez cedendo o lugar, na atualidade, ao conto da escritora argentina Ana Maria Shua: "Huyamos, los cazadores de letras están aq..."
O conto breve é difícil e de árdua produção. Ele deve sintetizar em pouquíssimas frases, numa frase, às vezes, toda uma história, sem descuidar os elementos que caracterizam o conto. Segundo EPPLE (1990), "o micro conto parece ser um concentrado exercício destinado a colocar em tensão nossas convicções e hábitos de leitura."
O mesmo autor (informação on-line, 199?) destaca

Con el cuento brevísimo el problema de la delimitación genérica se dificulta aún más, por su relación con un amplio registro de formas breves de substrato oral o libresco, y sobre todo por la dificultad de deslindar fronteras con las llamadas "formas simples" (el ejemplo, el caso, la fábula y la anécdota, entre otros).

Como podemos comprovar, a profícua produção de contos breves, mini-contos e contos brevíssimos traz novas complicações para os estudiosos deste gênero literário que, com a irrupção da Internet, sofrerá novas e profundas transformações. Epple (ibidem) afirma que essa tendência à brevidade não é algo passageiro ou irrelevante:

Lo que ha dado en llamarse "cuento brevísimo", "micro-cuento" o "mini-cuento" no es simplemente una afición secundaria, apta para la nota humorística, el ingenio verbal o la relación anecdótica, si bien muchos de sus cultores aficionados no superan estos niveles. Escritores de reconocido talento como Jorge Luis Borges, Julio Cortázar, Cristina Peri Rossi, Eduardo Galeano, Luisa Valenzuela y otros, han renovado las opciones expresivas de la ficción breve. Y autores como Alfonso Alcalde, Alfredo Armas Alfonzo, Enrique Anderson-Imbert, Juan José Arreola, René Avilés Fabila, Marco Denevi, Andrés Gallardo, Hernán Lavín Cerda, Augusto Monterroso, han canalizado su creatividad fundamentalmente en esta modalidad narrativa de variada filiación cultural, cuyo rasgo común (aspecto que no constituye, de por sí, una diferenciación canónica) es su notoria concisión discursiva.

2.3 O conto na Internet
Os avanços tecnológicos, o da Internet principalmente, abriram novas fronteiras para os autores e leitores. Muitas vezes, eles se confundem nesse mágico universo virtual, a tal ponto que já ninguém parece saber quem é o autor e quem é o leitor.
Os sites literários ou pseudo-literários abriram as portas para todo aquele que deseja aventurar-se na produção de contos, crônicas e poesias. O conto, principalmente, o de teor erótico, ganha cada vez mais destaque em alguns sites. Estamos na era do hipertexto, abrindo novas possibilidades de criação e de leitura. Sobre o hipertexto, escreve Ramal (2002?)

O que é um hipertexto? Como o próprio nome diz, é algo que está numa posição superior à do texto, que vai além do texto. Dentro do hipertexto existem vários links, que permitem tecer o caminho para outras janelas, conectando algumas expressões com novos textos, fazendo com que estes se distanciem da linearidade da página e se pareçam mais com uma rede. Na Internet, cada site é um hipertexto – clicando em certas palavras vamos para novos trechos, e vamos
construindo, nós mesmos, uma espécie de texto. Na definição de Jay Bolter (1991): "as partes de um hipertexto podem ser agrupadas e reagrupadas pelo leitor".

O conto moderno ganha, com o hipertexto, um novo formato, permitindo uma viagem de múltiplas leituras, podendo o leitor clicar sobre palavras ou frases, procurando novos caminhos, explicações e, em alguns casos, partindo para a tradução ou para uma nova leitura, totalmente diferente.
Contos que pulverizam a norma culta, contos com erros gritantes de ortografia; narrações sem sintaxe, sem tensão, contos que inovam na linguagem, reproduzindo tudo aquilo que acontece nos chats, invadem o espaço virtual. No meio desse mar de assustadoras novidades, alguns contos conseguem resgatar os valores clássicos deste tipo de narração, mexendo com a imaginação, com a emoção, intelecto e sentimentos dos leitores.
Os blogs, por exemplo, estão virando mania mundial, como afirma Mugnol (2005):

Blog é uma espécie de diário virtual. Mas vem deixando de ser coisa de adolescente. Hoje, esses sites são encarados com credibilidade e têm nutrido o impulso criativo de muita gente. É claro que ainda há uma penca de lixo virtual trafegando por aí. [...] Há estimativas de que o fenômeno blog alcance a marca de 53 milhões até o final desse ano. No Brasil, segundo o Ibope/NetRatings só em abril 7 milhões de pessoas acessaram blogs ou fotoblogs. Nesse emaranhado de informação tem gente criando, tem gente experimentando, tem gente ousando. Há e tem gente também aproveitando o espaço como um exercício para a escrita. [...] Augusto Sales, editor da revista literária Paralelos (www.paralelos.org), tem acompanhado de perto a efervescente nova geração de escritores, principalmente no Rio de Janeiro. Para ele, os blogs são uma boa maneira de entender a produção de "jovens autores, aspirantes, jornalistas e toda sorte de gente que escreve."

A explosão dessas narrativas na Internet, invadindo sites, blogs, páginas pessoais e outros espaços virtuais, com certeza modificará o gosto dos leitores, influenciará positiva ou negativamente sua percepção sobre o que é conto. Está acontecendo, sem dúvida nenhuma, uma nova revolução, tão ou mais significativa que a invenção da imprensa ou o espaço cedido pelos jornais, para os contos, no século XIX. Explica Lemos (2002) que:

A emergência dessas páginas pessoais está associada a novas possibilidades que as tecnologias do ciberespaço trazem de liberação do pólo da emissão, diferentemente dos mass media que sempre controlaram as diversas modalidades comunicativas. Esta liberação do emissor (relativa, como toda liberdade, mas ampliada em relação aos mass media) cria o atual excesso de informação, mas também possibilita expressões livres, múltiplas. O excesso, paradoxalmente, permite a pluralização de vozes e, efetivamente, o contato social.

Em outro trecho do seu trabalho, Lemos afirma:

A web está povoada de milhares de sites literários. Esta constatação mostra, evidentemente, a liberação do pólo da emissão, com sites de diaristas comuns ao lado de sites de escritores premiados. O crescimento do material literário na rede pressupõe o reconhecimento do ciberespaço como dinamizador do pólo da emissão, possibilitando a liberdade de disponibilização de textos. Como afirma Moraes, "a facilidade de publicar está na raiz de um fenômeno comunicacional já mencionado: as difusões pela Internet escavam brechas nos controles da grande mídia" (MORAES, 2001, p. 100). Assim, seria fácil descartar os diaristas como exibicionistas doentios - embora entre eles existam alguns - mas outros são excelentes escritores, estando além da mera diarréia de palavras.

Após essa imensa bolha de produção, bolha borbulhante e confusa que amalgama bons e maus textos, o universo literário não será o mesmo. A velocidade da Internet possibilita a criação de uma ponte direta entre o escritor (e também do pseudo-escritor) e os leitores. Instantaneamente eles se comunicam, trocam idéias, discutem narrações, estilos, finais e até criam novas histórias.
Um universo novo abre-se para todos com a inserção do conto no espaço virtual.

3. Pisando no umbral de um novo universo

Das noites impregnadas de medo nas cavernas até o mundo de hoje, com uma aparentemente ilimitada liberdade para alçar vôo e expressar-se, a humanidade avançou, cresceu e ganhou novos meios para expressar seus medos, emoções, pensamentos, sentimentos, futilidades, para posicionar-se perante o mundo, para tentar compreender, interpretar esse universo que nos rodeia e do qual, querendo ou não, fazemos parte.
O conto, como expressão narrativa, acompanhou o homem desde os tempos da oralidade, desde as remotas fogueiras que iluminavam o mundo pré-histórico. Apesar das modas, apesar de que em muitos momentos a poesia, o romance e outras expressões literárias ou artísticas dominaram o panorama cultural, o conto manteve-se forte e firme, mudando a "pele", mudando sua estrutura, modernizando-se, encantando e desencantando toda uma multidão de leitores.
Alguns autores, como Borges, por exemplo, nunca escreveram romances. Suas narrativas foram praticamente só contos, sem esquecer seus brilhantes ensaios. Outros teóricos afirmam que o conto ocupará, num futuro não muito distante, o lugar mais alto dentro da literatura mundial. Por ser breve, sintético, intenso e transmitir, de maneira condensada, sentimentos, emoções e ações, o conto adapta-se perfeitamente à vida moderna, agitada e febril.
Como expressão artística, o conto é de uma singularidade extraordinária. Julio Cortázar comparava o conto a uma fotografia, uma foto instantânea que capta um momento especial da vida. Outros autores falam num simples flash, rápido e perturbador. Essa singularidade, temperada com brevidade, tensão e unicidade, faz com que o conto seja perfeitamente compatível com o homem moderno, expressando desejos, sentimentos, anseios, inquietações.
Independentemente da roupagem com a qual o autor o revista, o conto com alma, com valor literário, alcançará o leitor e estabelecerá um forte vinculo com ele, transformando sua leitura num momento único e sublime.

4. REFERÊNCIAS

CORTÁZAR, J. La casilla de los Morelli. Barcelona (Espanha): Tusquets Editor. 1975.

EPPLE, J. A. Introdução. Disponível em: Acessado em Acessado em 15 de abril de 2006.

SILVA, V. M. A. e. Teoria da literatura. 8ª edição. Coimbra (Portugal): Livraria Almedina, 2000.

VÁZQUEZ, M. Á. Estudio y aplicación de elementos fantásticos en dos cuentos de Cortázar: I - Casa tomada. no. 23, janeiro de 2004. Disponível em Acessado em 14 de abril de 2006.
http://www.artigonal.com/literatura-artigos/o-conto-alguns-aspectos-deste-genero-literario-395289.html
Perfil do Autor
Carlos Higgie, escritor, nasceu em Rivera (Uruguai) no dia 09 de agosto de 1955. Seu primeiro livro foi publicado em Montevidéu, em 1979: "Como Pompas de Jabón ".Em 1983, já residindo em Porto Alegre ( RS ), publicou " Cuentos a Contramano ", com contos, alguns deles premiados em concursos literários realizados no Uruguai. Seu terceiro livro " Ventos nos Ossos" foi também editado em Porto Alegre. Em 1994, em edição compartida com a poeta Nélida Higgie, publica o livro de contos e poesias " Higgie & Higgie ". Ainda em Porto Alegre, publica "Rios da rua ", em 1994. Já em Santa Catarina, edita "Gritos da pele ", livro de contos eróticos e "Uma ilha no entardecer", uma seleção de contos de várias épocas. Com as escritoras Jane Soares de Almeida e Cármen Guaresemin publicou o livro de contos eróticos "Amor a Três". É membro da SEB (Sociedade de Escritores de Blumenau), da AIL (Academia Itapemense de Letras)e da ALB (Academia de Letras de Blumenau} e formado em Letras pela Univali (Universidade do Vale do Itajaí). Atualmente reside em Camaçari (BA). E-mail para contato: chiggie@terra.com.br

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